4 PERGUNTAS – ALINE SILVA

13-05-2020

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Brasileira que mora na Espanha, Aline Silva é hospitality insider, empreendedora e mentora e está a algumas semanas à frente dos brasileiros em relação à pandemia e novidades sobre o novo normal. Formada pelo Senac de Águas de São Pedro, especialista em Inteligência de Mercado pelo Ibramerc-SP e Turismo de Luxo pela ISEG de Lisboa, também é criadora da Slow Travel Life, plataforma de experiências de viagens para slow travelers na região da Galícia, região da Espanha que escolheu para viver e aos poucos desperta para o mundo pós-quarentena.

1. Você mora atualmente na Espanha, um dos países mais afetados pela covid-19 e está passando por muitas mudanças há mais tempo do que o Brasil. Qual a sua visão do futuro do Brasil pós- pandemia? O que podemos aprender com esta pausa forçada?

Aline Silva: Neste exato momento, tenho acompanhado a imprensa europeia e observo que frequentemente o Brasil é sempre notícia por dois temas: a falta de seriedade por parte do governo e de alguns brasileiros em relação à pandemia e pela crise política. Isso é muito ruim, e está deixando uma imagem de “marca Brasil” sem credibilidade. Acredito que após a pandemia, o país precisará de um empenho muito grande para trabalhar o seu reposicionamento como nação, e reconstruir valores que aqui na Europa se valorizam muito como, a responsabilidade eco-social, a cidadania e senso de humanidade.

“Minha percepção é que a Espanha sofreu um golpe.”

Aqui o confinamento foi mais rigoroso do que em muitos países devido à velocidade dos contágios, o número de mortos e a preocupação para não colapsar o sistema público de saúde. Por 50 dias só podíamos sair nas ruas além para realizar as tarefas básicas de supermercado, farmácia e trabalho (os profissionais imprescindíveis). A polícia e o exército controlavam os nossos movimentos. Foi uma situação complexa e exaustiva para todos.
Não sou fã de sacar conclusões premeditadas, mas a verdade é que nós e as autoridades estamos aprendendo em cada tomada de decisão como podemos sair do confinamento.

O Brasil e os brasileiros poderiam observar, por exemplo, as medidas de segurança, os protocolos sanitários e as medidas políticas que funcionaram e tentar adaptar à realidade brasileira, pois de alguma forma aqui já foram testadas. E o que não funcionar, aprimorar.
Minha percepção é que a Espanha sofreu um golpe, pois esta crise mostrou o abandono do investimento em pesquisa e educação. Vamos colocar os recursos à serviço da pesquisa e da educação científica. É o que pode nos ajudar nessas emergências e o que pode nos tornar fortes.

2. Você é empreendedora e tem um projeto de experiências de viagens na Galícia, além de trabalhar com mentorias para o mercado da hospitalidade. Como você tem enfrentado esta crise?

Aline: Confesso que nas primeiras semanas fiquei totalmente paralisada e tive uma crise de ansiedade por me sentir em um beco sem saídas. Sentia-me num barco à deriva. Para voltar, precisei parar de ler e ouvir as notícias, saí das redes sociais e busquei refúgio nos livros, e em momentos de reflexão profunda. Após algumas semanas mudei a rota dos meus pensamentos e atitudes. Parei de reclamar, de me considerar vítima e fui buscar ajuda na minha rede, meus amigos, mentores, família e profissionais que admiro muito. Esta mudança de posicionamento me trouxe um banho de clareza. Pensei comigo mesma, a minha missão é ajudar a hotelaria independente brasileira e os profissionais de hospitalidade que, assim como eu estão buscando saídas. Preciso estar na linha de frente. Também levei à mesa estratégia de pensamento para o meu projeto Slow Travel Life.

E como eu tenho enfrentado esta crise? Não buscando respostas, mas sim fazendo as perguntas necessárias neste momento para repensar sobre os novos modelos de negócios, a nova onda de relacionamento marca X indivíduo.

“Busco as informações direto na fonte, e em fontes diferentes para ampliar a minha visão de mundo.”

Peguei um caderno e um lápis onde escrevo meus pensamentos sobre a forma com que vivemos e levamos os nossos negócios todos os dias. Além disso, tenho assistido mais documentários, vídeos do TED talks, participado de lives no Instagram com profissionais interessantes e lendo muitos livros. Busco as informações direto na fonte, e em fontes diferentes para ampliar a minha visão de mundo. Também gosto de sair da minha zona de conforto observando como os setores da moda, música e a gastronomia estão encontrando soluções.

3. Observando os movimentos e analisando os fatos, quais seriam as tendências de comunicação para o setor de hospitalidade?

Aline: Eu digo que agora só existem duas coisas que as pessoas estão comprando: transparência e segurança. Qualquer marca, empresa ou profissional em cargos de liderança no segmento de hospitalidade precisa estar ciente disso e trabalhar para conseguir fazer esta entrega.

Agora é o momento de estar presente na vida das pessoas para se manter relevante. Ligar para clientes fiéis, ativar a sua rede na LinkedIn e, para aqueles que são formadores de opinião, trazer um conteúdo mais vivo, que regenera o ser humano. Muitas empresas de hospitalidade estão focando a comunicação somente no cliente e esquecendo de toda a cadeia, os colaboradores, os parceiros, fornecedores, a comunidade. Todos esses agentes precisam saber de você, como a sua empresa têm enfrentado a crise e quais serão os próximos passos. Uma comunicação 360º é fundamental. Abra novos canais.

Tem uma frase da Michelle Obama que gosto muito: “Você não pode tomar decisões baseadas no medo e na possibilidade do que pode vir a acontecer”. O que eu quero dizer com esta frase é que você precisa viver um momento de cada vez e comunicar de forma pertinente. Eu considero que ainda estamos em fase de transição, o pós-pandemia virá dentro de uma ano e meio mais ou menos, segundo análise de especialistas. Então fale agora somente o necessário, não trabalhe com um futuro que ainda não controlamos.

4. No Turismo, ainda são poucas as mulheres que desempenham papéis de líderes no chamado C-Level. O que fazer para o machismo de terno amassado dar voz às mulheres e alçá-las ao topo?

Aline: Muitas pessoas pensam que a igualdade de gênero e a diversidade são uma questão de tempo dentro das empresas. Quando leio isso percebo que a gente, como sociedade, precisa evoluir muito. Não é uma questão de tempo, é uma questão de vontade, vontade de mudar o jogo!

“Levará mais de 115 anos aproximadamente para alcançarmos a igualdade econômica entre homens e mulheres”, é uma das conclusões do Fórum Econômico Mundial, em janeiro passado. Um sintoma claro de como os estereótipos de gênero continuam a ter um grande impacto na esfera profissional e está contribuindo para o fato de que a diferença entre homens e mulheres, longe de fechar, ainda é um problema pendente no local de trabalho.

No Brasil, de acordo com dados do IBGE de 2018, 51,7% da população brasileira são mulheres. Um país, onde praticamente 50% são mulheres, e vou um pouco mais longe, um país onde mais de 50% da população se considera negra e ainda não encontramos esta representatividade em cargos políticos, presidência de empresas e cargos de C-level, alguma coisa está errada, não acha?

Grandes grupos hoteleiros frequentemente afirmam seu compromisso com a diversidade de gênero, mas esse compromisso está avançando em um ritmo tão lento. A manifestação desse compromisso requer a criação de uma cultura respeitosa e inclusiva ativa. Todas essas políticas precisam ser revisadas. É preciso implantar um programa de formação dessa liderança feminina dentro das empresas, mas também precisamos romper com alguns mitos e enfrentar algumas barreiras que nos são impostas.

“(…)um país onde mais de 50% da população se considera negra e ainda não encontramos esta representatividade em cargos políticos, presidência de empresas e cargos de C-level, alguma coisa está errada.”

Minha visão sobre o tema é de que nós mulheres precisamos dar preferência às empresas e produtos que acreditam no feminino, onde a igualdade de gênero é vivenciada na prática e em empresas que investem na formação de lideranças femininas. Precisamos empoderar outras mulheres criando comunidades mobilizadoras na sociedade. Mas também sinto a falta de um veículo de mídia focado no universo feminino dos negócios, uma revista, um programa de televisão. Nós mulheres precisamos nos posicionar neste sentido. Na Europa e Estados Unidos você encontra dezenas de publicações feitas por elas e para elas, por exemplo.

Como mulher e negra, eu diria que o nosso caminho é bem mais árduo, mas não impossível. Deveríamos nos preparar para fazer esta mudança de forma estratégica e inteligente, se inspirando em mulheres que quebraram estas barreiras como a Raquel Maia, CEO da Lacoste, Ursula Burns, da Xerox e Michelle Obama, como eu me inspiro.