4 PERGUNTAS – FABIO STEINBERG

19-12-2019

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Sem os filtros comuns a quem tem telhado de vidro, Fabio Steinberg tem colocado a boca no trombone quando os assuntos do mercado de Turismo parecem sofrer da Síndrome de Poliana: a tendência que as pessoas têm de se lembrarem mais facilmente de coisas agradáveis do que de coisas desagradáveis. Para ele, é mais do que necessário apontar o dedo para as falhas se quisermos fazer do Turismo uma das economias mais relevantes e produtivas do Brasil.
Jornalista e administrador de empresas, Steinberg trabalhou em comunicação na IBM, AT&T, Hill & Knowlton e Rede Globo, e atuou também como consultor em comunicação empresarial. Colabora com frequência com artigos e matérias na imprensa e atualmente edita o site Turismo Sem Censura. É autor dos livros Ficções Reais, Viagem de Negócios e O Maestro.

1- Como você enxerga a transformação da imprensa nos últimos anos? Ainda temos espaço para notícias construtivas e aprofundadas?

Fábio Steinberg: A imprensa é fundamental para manter a sociedade bem informada e participativa, pois funciona como um verdadeiro olho do cidadão. Por isto costuma ser perseguida por governos autoritários, assim como organizações privadas, públicas e demais segmentos com inapetência para o diálogo, questionamentos e debates. O maior problema é que hoje, por conta da democratização das redes sociais, está cada vez mais difícil distinguir o que é imprensa de verdade, feita por jornalistas que adotam a isenção e independência como missão, de experiências amadoras e por vezes lúdicas de gente que não tem compromisso com qualquer critério sério para apurar corretamente as informações. Mas justiça seja feita, há sim profissionais e veículos sérios que, apesar dos pesares, pratica um Jornalismo de qualidade, sem “rabo preso” por qualquer razão.

2- O Turismo no Brasil, apesar da sua relevância econômica, tem poucos veículos dedicados ao seu mercado. A grande imprensa também pouco olha para seu potencial de desenvolvimento. Considerando que, somente nos primeiros nove meses do ano (janeiro a setembro/19) o Turismo brasileiro movimentou R$ 122 bilhões, representando um crescimento de 3,9% em relação ao mesmo período de 2018, como você acredita que o Turismo deva ser visto e retratado pela imprensa de modo geral?

Fábio: Acho que a chamada imprensa de Turismo ainda tem um longo caminho pela frente. A capacidade analítica da maioria dos jornalistas que atuam no ramo é em geral raquítica, seja por má formação, vícios de comportamento, ou por deixar que interesses comerciais se sobreponham ao lado editorial. É algo bem diferente de outros segmentos do Jornalismo brasileiro mais evoluídos, como o econômico e político. Lá, os bons profissionais e veículos expõem sem restrições seus pontos de vista, sejam eles favoráveis ou não aos interesses dos entrevistados. A verdade é que o trade turístico se acostumou a só receber elogios, e perde a cabeça toda vez que é criticado, não importa se com razão ou não. É uma pena, pois qualquer setor que pretende se desenvolver precisa do oxigênio oferecido por avaliações críticas construtivas. Afinal, o Turismo não está isento de imperfeições. Há um lado ainda mais perverso nesta atitude de fechar os olhos para os problemas. Acabou promovendo uma classe oportunista, principalmente formada por maus políticos, que usam o Turismo como escada para beneficiar as suas carreiras. Isto de certa forma explica os resultados pífios do setor no Brasil, quando comparado com os demais destinos internacionais, apesar de nosso imenso potencial.

3- Em seu site Turismo sem Censura, você traz artigos e reportagens que, muitas vezes, colocam o dedo na ferida e mostram uma outra face da gestão turística no Brasil, seja pública ou privada. Como é fazer um jornalismo crítico, mais raiz e menos Nutella?

Fabio: Quando comecei a atuar no jornalismo do Turismo, levei um susto com a postura disfuncional da maior parte da imprensa do setor. Havia, com pouquíssimas exceções, ausência de questionamentos e apurações mais profundas, substituídos por press releases ou versões não checadas devido ao predomínio da imprensa “chapa branca”. Era muito oba-oba, boca livre de almoços e viagens grátis, em troca de matérias positivas e coberturas que só favoreciam, justa ou injustamente, os patrocinadores em detrimento dos leitores e consumidores finais. Veja por exemplo o setor de cruzeiros: não existe no Brasil uma única matéria crítica à sua atuação no país, só elogios. É algo bem diferente do que ocorre com a imprensa internacional, que não poupa uma indústria com tanto telhado de vidro, seja pela forma como são tratados os empregados embarcados, seja por promover em larga escala a poluição e o overtourism. Decidi fazer a minha parte, que é registrar de maneira séria, responsável e bem apurada o que ocorre em toda a área de Turismo. Mesmo que isto implique me tornar persona non grata ou deixar de ser convidado para regabofes ou coisa do gênero.

4- Aproveitando que estamos chegando ao fim de 2019, quais os assuntos que você gostaria de destacar? Se pudesse fazer uma retrospectiva das matérias que você escreveu ao longo ano, quais recomendaria que não deixássemos de ler antes de chegarmos em 2020?

Fabio: Foi um ano muito proveitoso. Discuti vários temas importantes e polêmicos do Turismo brasileiro. Elogiei iniciativas e setores, sempre que possível. Mas não me furtei de colocar o dedo na ferida quando necessário. Sei que com isto incomodei algumas instituições e pessoas, buscando denunciar de forma responsável e documentada fatos, ou mesmo falsos profetas que ocuparam sem resistência o espaço que deveria pertencer a lideranças mais sérias. Todo este material está disponível para leitura no site.Destaco alguns trabalhos: A trilogia que iniciei e devo continuar sobre os cruzeiros (Inferno em Alto Mar); a falência da Thomas Cook, suas implicações e lições para o setor (Thomas Cook: um grito de alerta); o risco do viajante correr atrás apenas de preços baixos (O Barato Sai Caro); a cobertura de um evento oportunista disfarçado de contribuição ao turismo (Uma Bofetada em Itu); além de informações, notícias, resenhas de vários segmentos do setor, entre elas aviação, meios de pagamentos, hotéis, restaurantes, aeroportos, destinos etc.